domingo, janeiro 10, 2016
Em 12 anos, Bolsa Família perde poder de compra
O brasileiro
que depende do Bolsa Família para pagar suas despesas tem visto o benefício
valer cada vez menos, corroído pelo aumento da inflação. Desde que o programa
foi criado, em outubro de 2003, o valor mínimo concedido às famílias, chamado
de benefício básico, passou de R$ 50 para R$ 77, uma variação de 54%,
praticamente a metade da alta dos preços acumulada no período, de 101,9%,
segundo o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo).
Apesar
disso, os gastos do governo com o Bolsa Família subiram 631% entre 2004
(primeiro ano inteiro de funcionamento do programa) e 2015, seis vezes mais que
o IPCA e onze vezes mais que o aumento do benefício básico. Seria intuitivo
concluir que a expansão do gasto se deve a um aumento proporcional do número de
famílias atendidas. Não é o caso. A quantidade de famílias cadastradas no mesmo
intervalo de tempo saiu de 6,6 milhões para 13,8 milhões, avanço de 109%, seis
vezes menos que o ritmo de crescimento do desembolso do governo. O que ocorreu,
na verdade, é que o gasto por família ficou maior.
O governo
não trabalha com o número de pessoas em cada família, para saber se as elas
ficaram maiores, mas calcula o valor médio do benefício por família. E este,
sim, registrou crescimento acima da inflação desde a criação do programa, de
122%, para R$ 164. A expansão contou com a ajuda de uma mudança na regra do
Bolsa Família adotada em 2011. À época, havia um limite de três crianças de
zero a 15 anos que poderiam ser inscritas – cada filho representa um acréscimo
no valor do benefício básico, chamado pelo governo de benefício variável. Com a
mudança, o limite passou para cinco crianças, elevando o valor repassado às
famílias.
Consequentemente,
o gasto total do governo em 2011 subiu 21% em relação ao ano anterior, enquanto
o número de famílias atendidas cresceu 4%. Em 2012, o gasto subiu 22% e o
número de famílias beneficiadas 2%. Em 2013, foram de 18% e 1%,
respectivamente; e, em 2014, de 9% e 1%. O Ministério do Desenvolvimento Social
(MDS), que controla o Bolsa Família, destaca outras medidas que contribuíram
para o aumento do desembolso acima da inflação.
Em 2012,
todas as famílias beneficiárias do programa com filhos de até 6 anos e que
estavam em condição de pobreza extrema (com renda abaixo de R$ 70 per capita)
passaram a receber uma complementação de renda a fim de ajudar a superar esta
condição. Em dezembro de 2014, essa medida foi ampliada para famílias com
filhos de até 15 anos. Em 2013, o governo determinou que nenhuma família
beneficiária do Bolsa Família poderia ter renda per capita inferior a R$ 70.
Com a medida, ampliou-se a complementação de renda para todas as famílias do
programa.
Para 2016, o
governo estima uma expansão de R$ 1,1 bilhão nos gastos com o Bolsa Família,
para R$ 28,8 bilhões. Segundo o MDS, parte desse aumento deverá ser usado para
reajustar o benefício básico, embora ainda não haja uma definição de quanto
será nem quando será. O que se sabe é que o reajuste não vai recompor a inflação,
uma vez que a presidente Dilma Rousseff vetou, na sanção da Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO) de 2016, um aumento de 16,6%, equivalente à alta dos preços
nos últimos 20 meses.
Reajustes
Nos 12 anos
de existência do programa, o governo só reajustou o benefício em cinco
oportunidades, sendo que somente em duas delas o reajuste adotado superou a
inflação do período correspondente. O primeiro reajuste foi estabelecido em
julho de 2007, quando o programa tinha quase quatro anos de duração. O valor subiu
16%, de R$ 50 para R$ 58. No entanto, o IPCA acumulado de outubro de 2003 a
junho de 2007 foi de 21,1%.
O segundo
aumento, em junho do ano seguinte, foi de 6,9% e ficou acima da inflação do
período (5,3%), elevando o valor mínimo do benefício para R$ 62. Em julho de
2009, o aumento de 9,7% também acima da inflação (5,57%), mas daí em diante,
vieram os outros dois reajustes não cobriram o aumento de preços. Em março de
2011, de 2,9%, contra um IPCA acumulado de 9,5%, enquanto o último reajuste, em
junho de 2014, fixou em 10%, menos da metade da inflação acumulada no período,
de 21,1%.
Ao longo
deste período, o governo também elevou o valor do benefício variável que
depende do número de filhos. Em simulações com famílias com uma ou duas
crianças, o poder de compra também foi corroído. Em 2004, um casal com apenas
um filho recebia R$ 65 (R$ 50 do básico mais R$ 15 do variável). Em 2015, esta
família passou a receber R$ 112 (R$ 77 do básico mais R$ 35 do variável). O
aumento foi de 72%, enquanto o IPCA variou 101,9%. No caso das famílias com
dois filhos, o salto foi de R$ 80 para R$ 144, um acréscimo de 80%.
Sem a
correção do benefício do Bolsa Família pela inflação, o programa acaba perdendo
em eficiência, avalia o economista Marcel Caparoz, da RC Consultores. “Se o
objetivo é dar mais poder de compra às pessoas mais pobres, este poder de
compra está sendo corroído com o tempo”, afirma. “Além disso, as pessoas mais
pobres são as mais vulneráveis às oscilações dos preços, pois possuem menos
mecanismos de proteção, como uma aplicação financeira com rentabilidade acima
da inflação”, diz.
Caso o
governo utilizasse o IPCA como referência para os reajustes, o benefício básico
estaria hoje em R$ 101, R$ 24 a mais que os atuais R$ 77. No entanto, para o
economista Rafael Bistafa, da Rosenberg Associados, vincular o Bolsa Família a
um índice de preços não seria uma boa ideia.”O Orçamento do governo já tem
muitas despesas que são vinculadas a algum índice e que, portanto, não podem
ser cortadas, como o salário mínimo. Indexar o Bolsa Família diminuiria ainda
mais a margem do governo para fazer o ajuste fiscal”, explica. O próprio
governo faz a avaliação de que não seria interessante indexar o benefício do
programa à inflação, pois o Bolsa Família atua como um complemento às renda das
pessoas, e não como um salário.
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