segunda-feira, abril 25, 2016
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Alerta para outros estados: Pernambuco foi do boom ao caos em cinco anos
Alerta para outros estados: Pernambuco foi do boom ao caos em cinco anos
A crise econômica, que já se revela a mais severa da
história do País, não poupa ninguém, mas em poucos lugares ela se materializa
de forma tão clara e dramática como em Pernambuco. Por qualquer aspecto que se
olhe, o Estado foi do apogeu ao fundo do poço com uma veemência e uma
velocidade poucas vezes vistas.
Por lá, as vendas do varejo acumulam retração de quase 10%
em 12 meses, mais que o dobro da média nacional. Nesse início de ano, a
produção industrial sofreu um tombo de 26% em relação ao ano anterior, puxado
pelas indústrias de alimentos, em especial de açúcar e laticínios, que penam
com a seca. O desemprego na capital, Recife, já atinge mais de 10% da
população.
O cenário no longo prazo também se deteriorou. Projetos na
área de petróleo e gás, que prometiam mudar o perfil da economia local,
naufragaram em denúncias de corrupção na Operação Lava Jato. Grandes obras do
PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento, que criariam um novo patamar para
infraestrutura local, estão praticamente paralisadas à espera de recursos
federais.
“A economia de Pernambuco está tendo uma crise mais aguda
porque sofre em duas pontas: o setor mais tradicional, a indústria de
alimentos, sofre com a seca, e setores novos, ligados a cadeia de petróleo,
tiveram um baque”, diz o professor João Policarpo Lima, da Universidade Federal
de Pernambuco, que pesquisa o desenvolvimento local.
Para arrematar, o nocaute da economia pernambucana tem um
ingrediente particular: epidemias de viroses transmitidas pelo mosquito Aedes
aegypti, que aumentam os custos com a saúde pública e as perdas no setor
privado. Entre 144 das maiores indústrias pernambucanas, que participaram de
uma pesquisa sobre os impactos do mosquito, 114 registraram afastamentos neste
ano por causa de doenças do Aedes e 42% relataram queda na produção pela
ausência prolongada de funcionários.
O comerciante José Josafar de Spindola, 46 anos, resume a
situação em seu Estado: “Pernambuco está desmantelada pela crise econômica,
pela corrupção dos políticos, pela violência – o que você ganha aqui, o ladrão
te toma alia na frente – e ainda veio essa tal de zika, o chikungunya. Minha
mulher está com chikungunya e não consegue sair da cama.”
Spindola tem um ponto no Moda Center Santa Cruz, o maior
centro atacadista de confecções do Brasil, localizado em Santa Cruz do
Capibaribe. O local reúne mais de 10 mil pontos comerciais, entre boxes e
lojas, onde são comercializadas peças no atacado e no varejo. Nos períodos de
pico, recebe mais de 150 mil clientes por semana. Até o início do ano, era uma
espécie de ultimo bastião contra a crise que se alastrava pelo Estado. Era.
Resistência vencida – A cadeia de confecções e jeans de
Pernambuco é um dos segmentos mais tradicionais e resistentes a crises.
Encravada num cinturão formado pelos municípios de Caruaru, Toritama e Santa
Cruz do Capibaribe, no Agreste, manteve-se em expansão até nos anos de dólar
favorável a importações da China.
O trunfo: seus produtos, fabricados localmente, são muito
baratos e abastecem pequenas lojas voltadas a consumidores de baixa renda no
Norte, Nordeste e até do Sudeste. A maior parte da produção é vendida em
grandes feiras populares, que reúnem desde os fabricantes até representantes de
pequenas confecções que apenas finalizam partes das peças ou revendem os
produtos acabados.
O melhor dia para as vendas é a segunda-feira, justamente
quando a reportagem do jornal O Estado de S. Paulo visitou as feiras. No Moda
Center, o que mais se viam eram rodinhas de lojistas batendo papo. “Agora fica
assim direto”, diz a lojista Danielle Santos, mostrando os corredores vazios.
“Hoje só vendi no ‘pingado’, para um ou outro, não veio nenhum lojista.”
Danielle comercializa especialmente jeans. Negocia e fecha
pessoalmente o pedido de cada item e manda para os ateliês de costuras
montarem.
Ela sentiu o aumento no preço dos aviamentos que importa
dos chineses, o impacto do custo do jeans, que precisa ser lavado com água de
carro-pipa, pois a região, está sob racionamento, agora se preocupa com o
sumiço dos clientes e vai se adequando. Hoje, tem quatro boxes no Moda Center e
uma loja em Surubim, cidade próxima: “Tinha outra loja em Toritama, mas fechei;
os pedidos não venciam.”
“As pessoas não têm dinheiro”, diz Maria Helena Lima. Dona
de um ônibus, ela ganha a vida transportando sacoleiros de Manaus para feiras
no Nordeste. “Viajava toda semana e o ônibus lotava de tal maneira que tinha
gente que pagava para ir no corredor”, diz ela. “Agora é uma viagem por mês e,
nesse ônibus que estamos, apenas 12 dos 48 lugares têm passageiro.”
Nos espaços vagos, ela empilha sacos de mercadoria que
lojistas encomendam por telefone. “Cobro R$ 1,70 o quilo transportado, é o que
salva”, diz.
Na vizinha Caruaru, a situação parece mais preocupante
ainda. No parque de exposição local ocorre a Sulanca, a feira mais tradicional
do setor, que deu origem a todas as outras. A falta de gente é tamanha que os
carregadores e comerciantes não esperam os clientes sentados, como diz o dito
popular: esperam deitados.
“A queda dos clientes é grande e a gente não tem o que
fazer”, diz Nadja Lopes, espichada sobre a barraca que divide com a mãe, Maria
de Lourdes Lopes. “Eu vendo aventais, uma coisa baratinha, mas até nisso as
pessoas estão segurando”, diz Maria de Lourdes.
Nem os artesãos, com seus tradicionais produtos em barro,
palha e madeira, saem ilesos. “Estou tendo queda nas vendas até no Sudeste,
onde tenho clientes em Embu das Artes e litoral paulista. Lá a queda foi feia,
de uns 40% do ano passado para cá”, diz o empresário e artesão Wesley Oliveira.
O que mais preocupa quem acompanha de perto a crise local é
que os dados com o desempenho da economia não param de piorar. “O ano passado
já não tinha sido bom, mas as quedas retratadas nos indicadores que estamos
vendo agora são tão acentuadas que já acho que vamos ter saudades de 2015”, diz
o economista Tobias Silva, da Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco
(Fiepe).
Quando recebeu os dados do IBGE sobre Pernambuco neste mês
de abril, Silva ficou tão espantado com a retração que chegou a perguntar ao
funcionário responsável pela coleta dos dados se os números estavam corretos.
“No mês anterior eu já tinha ficado assustado e os números continuaram caindo.”
Uma das maiores preocupações de Silva é entender por que
estão em franca queda dois setores básicos da economia local, alimentos e
bebidas. No Estado onde o verão dura quase o ano interior e as praias atraem
turistas do mundo, a produção de cerveja e chope vem caindo há 13 meses.
A indústria de alimentos, por sua vez, teve retração de 44%
em fevereiro, o último dado disponível. “É uma queda muito forte, que não se
explica apenas pelo açúcar e precisa ser investigada melhor para entendermos o
que está acontecendo”, diz Silva.
Boa parte da queda é puxada pelo setor de açúcar, mas Silva
teme que esteja havendo uma retração generalizada no consumo da classe C em
todo o Nordeste. “Pernambuco é uma espécie de ‘hub’ da produção de alimentos
para a baixa renda, abastecendo vários Estados da região – se a produção está
despencando aqui, pode ser que esteja sendo arrastada por uma retração regional
mais forte do que imaginamos”, diz Silva. É esperar para ver.
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