domingo, maio 29, 2016
Servidores de 600 cidades enfrentam atraso de salários
Os cofres vazios em grande parte das prefeituras do País
têm se refletido diretamente nos bolsos dos funcionários municipais. Em 576
cidades, os prefeitos não têm conseguido pagar em dia o salário dos servidores.
Desse total, 11% estão com atraso superior a seis meses, segundo levantamento
da Confederação Nacional dos Municípios.
Uma das cidades é Redenção, na Região do Vale do Acarape,
no Ceará, onde muitos servidores não recebem salários há três meses. O atraso
dos salários para o pessoal da limpeza pública chega a cinco meses. O Município
passou, nos últimos três anos, pelo inchaço da folha de pessoal, com a
contratação de terceirizados e a administração municipal acabou perdendo o
controle das finanças. A Lei de Responsabilidade Fiscal, no caso de Redenção, foi
rasgada e o prefeito da cidade, Antonio Bandeira (PDT), poderá enfrentar ações
de improbidade administrativa.
No Piauí, por exemplo, algumas prefeituras foram acionadas
na Justiça para fazer o pagamento dos funcionários. Esse é o caso do município
de Boa Hora, a 156 quilômetros de Teresina. Mergulhada numa forte crise
financeira, os servidores públicos estão há quatro meses com salários
atrasados. Diante da situação, os professores decidiram fazer greve por tempo
indeterminado ou até receberem os pagamentos. A dívida inclui ainda salários de
vigias, zeladores e secretários escolares.
Além dos meses em atraso neste ano, há outras pendências na
conta da prefeitura: salários em aberto referentes a dezembro de 2012, dezembro
de 2014 e a novembro e dezembro de 2015.
A presidente do Sindicato dos Servidores Públicos de Boa
Hora, Maria da Conceição Almeida, afirma que os planos de saúde também foram
cancelados e que não há recursos para pagar os empréstimos consignados da Caixa
Econômica Federal. A cidade, de 6,5 mil habitantes, tem 22 escolas de nível
fundamental e uma de ensino médio. No total, são 171 professores efetivos.
Para contornar o problema, o Ministério Público Federal
pediu bloqueio de valores de contas públicas para impedir que a prefeitura use os
recursos do Fundeb (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica) em outras
despesas que não o pagamento de salários. O prefeito José Araújo Rezende (PPS)
diz que é importante que a Justiça entre no caso. “Nós provaremos que não
estamos pagando porque o recurso não dá.” Ele argumenta que o atraso se deve às
quedas consideráveis dos recursos do Fundeb e que a prefeitura tem adotado uma
série de medidas para economizar, incluindo a redução de seu salário, de seus
secretários e de funcionários comissionados em 20%. “Eu cortei na própria
carne.”
A crise afeta diretamente a vida da população, porque
serviços públicos como coleta de lixo, educação e saúde estão sendo
prejudicados. As medidas de contingenciamento se estendem por vários municípios
do Estado. Prefeitos paralisaram obras, suspenderam pagamentos de fornecedores
e reduziram seus próprios salários, dos secretários e de cargos comissionados.
FOLHA DE SALÁRIOS
Na Bahia, alguns municípios também devem seguir o mesmo
caminho para equilibrar as contas. Em Retirolândia, cidade com 13 mil habitantes,
o prefeito André Araújo Martins (PSD) prevê para junho uma redução dos salários
dos funcionários municipais, incluindo os vencimentos dele próprio, de seu vice
e dos secretários. “É melhor pagar pouco, mas pagar todo mundo. Se a
arrecadação continuar nesse nível, tenho certeza de que não conseguirei pagar a
folha toda no final do ano”, diz.
Na tentativa de evitar esse cenário, a alternativa tem sido
cortar gastos não essenciais. “Estamos mantendo apenas os serviços básicos,
como os de saúde e de limpeza”, afirma o prefeito. De acordo com Martins, os
cortes mais intensos são nas áreas de infraestrutura e investimentos.
Em Lafaiete Coutinho, também na Bahia, onde 70% da receita
é proveniente do governo federal, os cortes se concentraram nos investimentos.
“A verba de investimento de saúde e educação foi reduzida a zero. Estamos
tirando de outras fontes”, conta o prefeito Zenildo Brandão (PP).
LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL
Manter a folha de pagamento em dia, porém, está longe de
ser um sinal de saúde financeira para muitos municípios. As prefeituras estão
extrapolando o limite com gasto de pessoal determinado pela Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF), de 54% das receitas (60%, se considerado o
salário do Legislativo), correndo então o risco de não conseguir honrar os
compromissos por muito mais tempo.
Segundo dados da Confederação Nacional dos Municípios
(CNM), até abril, 22,5% das prefeituras do País ultrapassaram esse limite na
última folha de pagamento. Em alguns Estados, no entanto, esse porcentual é
muito maior. Em Pernambuco e Espírito Santo, por exemplo, quase 70% dos
municípios infringiram o limite da LRF no ano passado. Situação ainda pior vive
a Bahia – Estado onde quase todos municípios já descumpriram a lei.
“Apenas 100 cidades no Brasil inteiro – num universo de
mais de 5 mil – conseguem pagar o quadro de funcionários com receita própria”,
afirma o economista-chefe da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro
(Firjan), Guilherme Mercês. “A dependência da União é muito grande, e as despesas
obrigatórias são muito elevadas.”
O quadro pode se agravar ainda mais nos próximos meses. “A
tendência é essa situação ficar ainda pior no segundo semestre, já que as
transferências federais tendem a diminuir (porque o governo começa a pagar as
restituições do Imposto de Renda)”, diz o presidente da Associação Piauiense de
Municípios, Arinaldo Antônio Leal.
Com boa parte do orçamento comprometida com despesas de
pessoal, sobra pouco para as outras necessidades da população. “Já fizemos
corte de cargos comissionados, redução de pessoal, tudo que foi possível”,
afirma o presidente da Associação dos Municípios de Pernambuco, José Patriota.
Para garantir o funcionamento da maquina pública, o corte
de alguns funcionários resultou no acúmulo de tarefas para quem ficou. Em Venda
Nova do Imigrante (ES), os cargos comissionados foram reduzidos pela metade. O
secretário de Administração, por exemplo, passou a acumular a Secretaria de
Turismo; e o secretário do Meio Ambiente, a pasta da Agricultura. Segundo a
Associação de Municípios do Estado do Espírito Santo, a maioria dos municípios
do Estado reduziu os cargos comissionados pela metade.
A inadimplência afeta não só os funcionários, mas também os
fornecedores das prefeituras. Segundo a CNM, 59,2% dos municípios estão com
algum atraso no pagamento de fornecedores. Desses, 8,6% estão com atraso
superior a seis meses. Outras prefeituras vão além e comprometem os serviços
públicos básicos: encostam veículos e máquinas pesadas para economizar no
combustível e diminuem contratos de limpeza da cidade e coleta de lixo.
Embora a situação mais delicada esteja no Nordeste, cidades
de Estados mais ricos, como São Paulo e Rio de Janeiro, enfrentam as mesmas
penúrias. “Para economizar com luz e telefone, alguns prefeitos estão reduzindo
o horário de atendimento dos serviços públicos pela metade e proíbem horas
extras”, afirma o presidente da Associação Paulista de Municípios, Marcos
Monti.
Em 2015, a falta de dinheiro obrigou a cidade de Barra
Bonita (SP) a editar um decreto de contingenciamento reduzindo em 20% o salário
do prefeito e do vice-prefeito, em 10% a remuneração de cargos de confiança e a
encurtar o horário de expediente. Durante seis meses, as repartições públicas
do município (exceto saúde, educação e assistência social) funcionaram das 7 às
13 horas.
“Conseguimos economizar R$ 1 milhão”, diz o prefeito
Glauber Guilherme Belarmino (PSDB). Ele conta que atividades culturais também
passaram por revisões. “A feira de artesanato foi cancelada, o réveillon teve
parceria da iniciativa privada e os investimentos no carnaval foram cortados em
40%.”
Em Águas de Lindoia, o prefeito Antônio Nogueira (DEM) diz
não saber mais o que fazer para adequar as despesas às receitas. Até o dia 20
de cada mês, ele paga contas diversas, como os fornecedores. A partir daí, todos
os pagamentos são suspensos para que a prefeitura consiga quitar a folha. “Hoje
em dia, recebe quem grita mais alto. A conta de luz nós atrasamos até o limite
do corte da ligação. Na saúde, compramos os remédios mais urgentes.”
Fonte: Conteúdo Estadão ( COLABORARAM LUCIANO COELHO, LUIZA
FREITAS e THAÍS BARCELLOS)
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