quarta-feira, janeiro 17, 2018
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REGULAMENTAÇÃO DO FUMO NO PAÍS PODE MUDAR APÓS DECISÕES DA ANVISA, STF E CONGRESSO
REGULAMENTAÇÃO DO FUMO NO PAÍS PODE MUDAR APÓS DECISÕES DA ANVISA, STF E CONGRESSO
A forma de exposição e comercialização de cigarros e outros
produtos derivados do tabaco poderá ser regulamentada este ano pela Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A questão já passou por consulta
pública e será analisada na primeira reunião da diretoria colegiada da agência,
marcada para a próxima terça-feira (16), em Brasília.
Entidades que defendem as políticas de controle do tabagismo
argumentam que a exposição nos locais de venda é usada pela indústria como propaganda,
proibida atualmente no Brasil pela Lei Antifumo. A tendência é que haja
restrição na forma como os comerciantes deixam os maços ou carteiras de cigarro
e outros produtos fumígenos expostos em vitrines ou locais que atraiam os
consumidores.
Cigarros com aditivos no STF
A discussão sobre outras medidas de controle do uso do tabaco
também deve se destacar na agenda do Judiciário e do Legislativo em 2018. Logo
após o recesso, em fevereiro, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deve
analisar a proibição dos aditivos de cigarro. O assunto foi colocado em pauta
no ano passado pelo menos nove vezes, mas o julgamento foi adiado para o dia 1°
de fevereiro.
“O Brasil foi um dos primeiros países que promulgaram uma
legislação proibindo os aditivos no cigarro. A gente sabe que esses aditivos,
como baunilha, chocolate, menta, são colocados nos produtos pra atrair crianças
e adolescentes para iniciação [do fumo]. É um assunto bem importante pra saúde
pública”, destacou a consultora no Brasil da União Internacional contra a
Tuberculose e Doenças Pulmonares (The Union), Cristiane Vianna.
Aumento da tributação
Na Câmara dos Deputados, os ativistas pelo fim do tabagismo
trabalham pela aprovação de projetos de lei que aumentam impostos sobre a
produção de cigarros e outros produtos derivados do tabaco. Entre as propostas
em análise pelos parlamentares, há medidas que visam criar tributos sobre o
tabaco para estimular a redução do consumo do produto e direcionar os recursos
arrecadados para ações de prevenção e tratamento de doenças causados pelo fumo.
Um dos projetos em debate (PLP 4/2015) estabelece a criação da
Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre a fabricação e
importação do tabaco e seus derivados. A arrecadação da chamada Cide Tabaco
deve ser destinada, segundo o projeto, ao financiamento do tratamento de
doenças causadas pelo fumo em hospitais da rede pública. O valor destinado às
vítimas seria calculado com base na alíquota de 2% sobre o lucro dos
fabricantes ou importadores de tabaco.
Um dos objetivos é fazer com que o fumo se torne inviável
economicamente para boa parte das pessoas, principalmente entre os
adolescentes, fase na qual se inicia o consumo de cigarro em 90% dos casos,
segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Dois em cada dez estudantes do
ensino fundamental já experimentaram cigarro, segundo a última Pesquisa
Nacional de Saúde do Escolar (Pense), de 2015.
Um quarto dos estudantes compra o cigarro em loja ou botequim e
quase 40% dos jovens compram escondido ou pedem para alguém comprar. Mais da
metade dos estudantes que participaram da pesquisa já presenciou pessoas que
faziam uso do cigarro e quase 30% deles tem pais ou responsáveis fumantes.
“Tributação sobre tabaco é fundamental para reduzir o consumo em
dois grupos populacionais que são os mais vulneráveis para o tabagismo: é
evitar que os jovens comecem a fumar e reduzir o tabagismo entre pessoas de
baixa renda, que são os mais expostos, os que mais fumam. A ideia não é
penalizar essas pessoas, é tentar evitar que elas sofram, porque são as que
mais adoecem, mais morrem por problemas relacionados ao tabagismo”, afirmou a
pesquisadora e coordenadora do Centro de Estudos sobre Tabaco e Saúde da
Fiocruz. Valeska Carvalho Figueiredo.
Os projetos de lei ainda estão em fase de discussão nas comissões
antes de serem avaliados em plenário. A tramitação das propostas tem sido
permeada pelo embate entre representantes da indústria do tabaco e de
organizações que defendem políticas de controle do tabagismo.
“A cadeia produtiva do tabaco brasileira é mais tributada do mundo.
Ao aumentar o preço do cigarro brasileiro, que já um dos mais caros do mundo na
relação de renda da população, significa jogar ainda mais pessoas para o
consumo do cigarro contrabandeado do Paraguai, que é extremamente barato, não
tem vigilância sanitária e causa prejuízo gravíssimo à economia brasileira e
também à saúde. Pesquisas mostram que há produtos misturados nos cigarros que
vêm do Paraguai, como chumbo, insetos e outras coisas que são extremamente prejudiciais
à saúde”, afirmou o consultor executivo da Associação dos Municípios Produtores
de Tabaco (Amprotabaco), Dalvi Soares de Freitas.
Saúde
O aumento dos impostos e do preço do cigarro é apresentado pela
Convenção Quadro para Controle do Tabaco, compromisso assumido pelo Brasil e
mais 191 países, como uma das políticas efetivas de redução do fumo. A medida
também é defendida pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca).
A OMS considera o tabagismo uma doença crônica e um fator de risco
para diversas enfermidades. Segundo a organização, a dependência à nicotina é
responsável por cerca de 5 milhões de mortes em todo o mundo.
No Brasil, de acordo com o Inca, cerca de 156 mil pessoas morrem
por ano por causas relacionadas ao tabaco, o que equivale a 428 mortes por dia.
A maioria das mortes ocorre por problemas cardíacos, pulmonares, cânceres,
tabagismo passivo, pneumonia e acidente vascular cerebral (AVC).
Pesquisadores projetam que se o Brasil aumentasse o preço do
cigarro em 50%, seriam evitadas mais de meio milhão de internações e
aproximadamente 200 mil mortes por ano, segundo estudo da Faculdade de Medicina
de Buenos Aires em parceria com o Inca, a Organização Pan-americana de Saúde
(Opas) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Custos
Do outro lado do debate sobre o controle do tabaco, estão os
produtores e a indústria. Com a segunda maior produção de tabaco do mundo, o
Brasil se tornou o maior exportador mundial do produto. Segundo o Sindicato
Interestadual da Indústria do Tabaco (Sinditabaco), só na Região Sul do país,
onde está concentrada a produção nacional, a safra de 2016 teve 539 mil
toneladas de tabaco.
Espalhada em 600 municípios do Sul, a atividade agrícola do tabaco
envolve 144 mil produtores rurais e tem receita de mais de R$ 5 bilhões, além
de R$ 2 bilhões em divisas com exportação. De acordo com as entidades do setor,
apenas 20% da produção é destinada para o consumo interno.
Mais de 90% dos produtores de tabaco do Brasil estão na Região Sul
e têm pequenas propriedades
Mais de 90% dos produtores de tabaco do Brasil estão na Região Sul
e têm pequenas propriedadesDivulgação/Associação dos Fumicultores do Brasil
(Afubra)
Para aumentar o potencial de exportação, os produtores de tabaco
esperam que o Congresso Nacional aprove mudanças na lei que exige que os maços
de cigarros destinados à exportação não podem ter menos de 20 unidades. O setor
também argumenta que as propostas de aumento da tributação seguem na contramão
da tendência de simplificação tributária, em análise na Câmara, e que prevê a
inclusão dos impostos do cigarro no grupo do chamado Imposto Seletivo (IS).
De acordo com dados do Sinditabaco, os impostos correspondem de 77
a 88% do preço do cigarro no Brasil e a indústria do tabaco paga mais de R$ 13
bilhões por ano em tributos por ano.
No entanto, as entidades favoráveis ao aumento do preço do cigarro
ressaltam que o valor atual arrecadado pela indústria do tabaco não é
suficiente para cobrir os custos dos problemas decorrentes do uso do produto. O
valor médico para tratar as doenças causadas pelo fumo chega a quase R$ 40
bilhões por ano, segundo estudo da Faculdade de Medicina de Buenos Aires em
parceria com o Inca, a Organização Pan-americana de Saúde (Opas) e outras
instituições de pesquisa do Brasil. O montante equivale a 8% de todo o gasto
com saúde no país.
Outros R$ 17,5 bilhões são gastos de forma indireta com morte
prematura e incapacidade por enfermidades relacionadas ao fumo. As perdas com o
vício no tabaco somam quase R$ 58 bilhões, o que corresponde a 1% de todo o
produto interno bruto (PIB, soma das riquezas do país) do Brasil, segundo o
mesmo estudo.
“O cigarro do Brasil é um dos mais baratos do mundo. A gente quer
que o preço aumente e que a carga tributária possa ser revertida para
investimento na cura dessas doenças”, disse Valeska, pequisadora da Fiocruz. De
acordo com a Receita Federal, o custo médio do maço de cigarro no país varia de
R$ 5 a R$ 12, dependendo da marca e da região onde é comercializado.
Contrabando
Para economistas e representantes dos produtores de tabaco, o
aumento do preço do cigarro não necessariamente vai reduzir o consumo, uma vez
que pode estimular o aumento do contrabando, que envolve todo o processo de
produção, distribuição, posse, recepção, venda, compra ou qualquer prática que
facilite a atividade ilegal.
“São bilhões que o governo deixa de arrecadar anualmente que
poderiam ser usados na saúde. Então, não é justo que se aumente um imposto
sobre um produto legal com a justificativa de que todo o câncer causado no
Brasil é culpa do cigarro, ainda mais que 40% do cigarro consumido no Brasil
não é legal, é contrabandeado do Paraguai”, afirmou Freitas, da Amprotabaco.
No fim do ano passado, o plenário do Senado aprovou o acordo
internacional que confirma a adesão do Brasil ao Protocolo para Eliminar o
Comércio Ilícito de Produtos de Tabaco. O protocolo prevê que os países se
comprometam a adotar medidas de eliminação da rede de tráfico de cigarros e
outros produtos derivados do tabaco e estabelece que nações cooperem entre si
no combate ao contrabando de cigarros, por meio de compartilhamento de
informações e extradição de criminosos.
Além do contrabando, outra queixa dos produtores é a falta de
incentivos financeiros do governo federal para que os municípios que vivem do
tabaco plantem outras culturas.
“A implementação do tratado [de controle do tabaco] traz em si a
redução da demanda em nível global. O Brasil é um grande exportador de tabaco,
então, a gente precisa preparar as famílias fumicultoras para encontrar
alternativas economicamente viáveis e mais saudáveis para a vida delas”,
sugeriu Cristiane Vianna, consultora da The Union.
“Todos os municípios produtores de tabaco tem programas voltados à
diversificação da lavoura, no sentido de ter outras alternativas econômicas.
Agora, não se faz uma nova matriz econômica no município sem recursos. E a
gente não vê dinheiro sendo colocado pra isso. Sem incentivos financeiros não
haverá diversificação de fato. Enquanto houver demanda por tabaco no mundo, nós
continuaremos produzindo tabaco. Não há nenhuma outra cultura na agricultura
familiar que dê a mesma remuneração da que o tabaco dá”, comparou Dalvi Soares,
ex-prefeito de Dom Feliciano, um dos municípios do Rio Grande do Sul que tem
economia baseada na produção de fumo.
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