segunda-feira, junho 25, 2018
Criada no País, 'supercana' promete mudar o campo
Nos campos de testes do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), uma
empresa privada que ganha dinheiro com pesquisa, desenvolvimento e inovação,
convivem lado a lado pés de cana de açúcar diferentes por dentro e por fora.
Externamente, é fácil notar que as canas marcadas com fitas vermelhas não têm
folhas na parte inferior. Por dentro, estão sendo devorados por brocas,
enquanto as plantas saudáveis resistem à praga, graças a um gene letal à
lagarta, colocado em seu interior.
Com sua chegada às fazendas desde março, a nova variedade de cana
traz consigo a promessa de causar impacto semelhante ao provocado pela soja,
pelo milho e pelo algodão transgênicos, há quase 20 anos. Com uma diferença:
agora, a tecnologia foi toda desenvolvida no Brasil.
"A coitada da cana é meio órfã porque os produtores de milho,
soja e algodão sempre puderam contar com o desenvolvimento das
multinacionais", afirma Gustavo Teixeira Leite, presidente do CTC.
"Afinal de contas, essas culturas são produzidas em áreas dez vezes
maiores do que as da cana e nos países de principal interesse dessas empresas,
geralmente no hemisfério norte."
Os transgênicos tomaram conta de quase todas as grandes lavouras do
mundo por seu ganho de produtividade, redução no uso de agrotóxicos e no
impacto ambiental. Fácil de entender quando se olha, por exemplo, o caso da
broca, que causa perdas estimadas em R$ 5 bilhões por safra aos canavieiros.
Com o bicudo, outra frente de ataque do CTC, são perdidos outros R$
4 bilhões. São valores significativos em um setor que tem receita anual média
de R$ 100 bilhões, lucros operacionais em torno de 20% e ocupa área de 10
milhões de hectares. A expectativa dos usineiros com a cana geneticamente
modificada para sobreviver à broca é aumentar a rentabilidade em 20%.
Teixeira Leite, que era presidente da Monsanto no Canadá e no
Brasil quando a canola e a soja transgênicas foram lançadas, acredita que os
ganhos podem ser maiores. "Os benefícios que o agricultor vê costumam ir
além do que a gente antecipa", diz ele. "O controle da broca, por
exemplo, é feito por um camarada andando no meio dos canaviais, procurando
furinho em pau de cana: não é um método muito científico e nem fácil de fazer
em 10 milhões de hectares." Hoje, o controle biológico tem eficiência de
30% a 50% no controle do inseto. O químico mata 70% das brocas.
O lançamento marca o início de uma série de inovações que devem ser
colocadas no mercado nos próximos anos pelo CTC. Entre elas há uma cana
geneticamente modificada desenvolvida especificamente para o cerrado, região
para a qual jamais foi trabalhado um produto específico e que já está na
Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) para ser aprovada. Também
há investimentos num laboratório nos Estados Unidos, onde os pesquisadores
começarão a trabalhar com a CRISPR, sigla em inglês para a última inovação na
área, que permite a edição de genes.
O mais revolucionário deles, porém, começa a ser testado em campo
ainda este ano: sementes de cana. No ano passado, o projeto se provou em
laboratório, depois de oito anos de pesquisa. Uma semente totalmente
desenvolvida pelos pesquisadores gerou um embrião, que se transformou numa
planta completa. Agora, o conceito será provado na terra, onde intempéries e
pragas decidirão se ele poderá continuar evoluindo ou se deve voltar à bancada
de trabalho.
Culturas propagativas, como são chamadas as que acontecem com o
replantio de mudas - ou toletes - no caso, são lentas. Ao contrário das que
usam sementes, levam-se anos para se plantar uma área completa, com uma
variedade mais moderna e eficiente. "Os desafios ainda são muito grandes
porque num projeto de pesquisa realmente inovador como esse não se sabe se os
resultados virão", diz Teixeira Leite. "Mas nunca estivemos tão
perto". Caso tudo dê certo, as primeiras sementes de cana estarão
disponíveis na safra de 2021/2022.
Mercado
Enquanto isso, outro desafio já começa a ser enfrentado: a
aprovação, nos mercados que o exigem, para o comércio de açúcar proveniente de
cana geneticamente modificada. Responsável por metade da produção e das
exportações de açúcar de cana do mundo, o Brasil obteve quase US$ 12 bilhões
com a venda do produto ao exterior, no ano passado, o equivalente a pouco mais
de 5% da balança comercial.
O Canadá foi o primeiro a autorizar a exportação e deve ser seguido
em breve pelos EUA. "O processamento desse tipo de açúcar só deve ganhar
escala em 2023, por conta do plantio da cana ocorrer num ritmo lento pelas
características da cultura", diz Antonio de Padua Rodrigues, diretor
técnico da União da Indústria de Cana de Açúcar (Unica). "Mas deverá ser
um processo simples, já que não estamos exportando organismos geneticamente
modificados vivos, como a soja ou o milho." Além disso, os Estados Unidos
conseguiram a aprovação de comercialização do açúcar de beterraba transgênica,
no início da década de 2000. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Agência Estado
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