Os números importam, apesar de a realidade ir muito além deles. Se
o bloqueio de um benefício do Bolsa Família (BF) já torna incertos o alimento e
a realidade de várias pessoas, 20.905 pagamentos cortados de um mês para o
outro têm impacto certo. Essa foi a diferença na folha de pagamento do Governo
Federal aos cearenses entre dezembro de 2018 e janeiro de 2019, logo após a
posse da nova Presidência - a maior redução desde abril do ano passado.
A diminuição de 1.067.409, em dezembro, para 1.046.504 famílias
recebendo o benefício nos 184 municípios do Estado neste mês fica atrás apenas
dos 21.875 pagamentos cortados pelo Governo Temer de março para abril.
Atualmente, o valor médio destinado às famílias no Estado é de R$ 187, variando
de acordo com o município e a demanda de cada grupo beneficiário.
Os reflexos negativos dos cortes, ao contrário da cobertura, tendem
a aumentar - impactando áreas como Economia, Saúde, Educação e até Segurança
Pública. De acordo com estudo inédito realizado em todos os municípios
brasileiros pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), as taxas de homicídio e de hospitalizações
por agressões tendem a diminuir em locais onde a cobertura do programa é ampla
e contínua. No Ceará, a redução nas taxas foi de até 35% entre os municípios
com 70% ou mais da população recebendo o auxílio, entre 2004 e 2012.
Homicídios
"Embora a taxa de homicídio no Ceará tenha dobrado no período
analisado, de 20,5 para 44 a cada 100 mil habitantes, fica evidente que se não
houvesse a alta cobertura do Bolsa Família, o número de óbitos teria sido ainda
maior", sentencia a doutora em Epidemiologia e Saúde Coletiva e
pesquisadora principal do estudo, Daiane Machado. Segundo a psicóloga, as
localidades do Estado com cobertura mais estável do programa federal reduziram
as taxas de homicídio em 4% no primeiro ano, 13% no segundo, 31% no terceiro e 35%
no quarto ano de pagamento contínuo.
O levantamento da Fiocruz monitorou as taxas de homicídios e
internações por violência durante nove anos, considerando também
"variáveis que a literatura indica como associadas à violência como baixa
escolaridade, renda, taxa de policiamento e disponibilidade de armas",
para verificar a associação com o BF.
"Educação é uma das condicionalidades para a família ser
beneficiada. Quando a criança fica na escola, diminui a exposição a situações
de violência, deixa de estar nas ruas e, além disso, aumenta as chances de,
quando adulta, conseguir emprego e aumentar renda. Estudos internacionais
mostram que, quanto maior a escolaridade, menor o envolvimento com o
crime", ressalta a pesquisadora, definindo a tendência de cortes no
programa social como "lamentáveis, principalmente em se tratando de
pessoas em situação de vulnerabilidade", afirma Daiane.
As famílias precisam desse recurso até para sustentar crianças na
escola. O Bolsa Família tirou muitas crianças, adolescentes e até jovens da
rua. Nosso receio é que, por falta de oportunidades, eles voltem, e que as
taxas de hospitalizados e de homicídio aumentem".
Sustento
A importância do programa federal, apesar do valor considerado
baixo, é reconhecida até hoje pela dona de casa Josélia Melo, 34, que fez
malabarismo com os R$ 102 que recebia mensalmente para auxiliar na criação da
filha, hoje com 9 anos de idade.
"Faz três anos que deixei de receber, porque arranjei um
emprego e deixei a vaga para quem precisasse mais do que eu. Só que agora, eu
fiquei desempregada, então solicitei de novo e estou esperando. Com certeza a
bolsa era fundamental, porque eu reverti o dinheiro todo em prol da minha
filha, com roupa, alimentação e material escolar, para ela continuar
estudando", lista Josélia, que, mais do que nunca, "sente falta de um
dinheirinho certo todo mês".
Resposta
A redução nos pagamentos do Bolsa Família no Ceará e no País, de
acordo com o Ministério da Cidadania, é registrada devido a "oscilações,
movimentos de entrada e saída de famílias, que fazem com que o total da folha
de pagamentos do programa nunca seja o mesmo quando comparado
mensalmente". Além disso, "as manutenções dos benefícios e, por
conseguinte, os cancelamentos estão relacionados aos procedimentos de
averiguação e revisão cadastrais, fiscalização, desligamentos voluntários,
descumprimento de condicionalidades ou superação das condições necessárias para
a permanência no Bolsa Família", explicou a Pasta.
Uma dessas "condicionalidades", compromisso assumido pela
família ao ingressar no programa, é a permanência da criança ou adolescente em
sala de aula. Conforme ressalta a Secretaria Nacional de Renda de Cidadania
(Senarc), "a frequência escolar mensal deve ser de, pelo menos, 85% para
crianças e adolescentes de 6 a 15 anos, e de 75% para jovens de 16 e 17
anos". Do total de beneficiários com frequência escolar acompanhada no
período, 95% cumpriram as metas exigidas.
Em relação à saúde, as famílias precisam manter em dia o calendário
de vacinação das crianças menores de 7 anos, além de levá-las ao posto de saúde
para que tenham o crescimento monitorado. Para as gestantes, é necessário fazer
o pré-natal.
O Ministério da Cidadania, porém, não respondeu quando questionado
sobre as mudanças previstas para o programa já a partir deste ano, sinalizadas
pelo ministro Osmar Terra pouco depois da posse, no início de janeiro; e que
apontam para uma minimização do programa federal na nova gestão. Sobre a
possível redução do número de beneficiários no Ceará e intensificação dos
cortes, a Pasta também não deu resposta.
Fonte: Diário do Nordeste
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