quarta-feira, agosto 07, 2019
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Após Lei Maria da Penha, medidas protetivas a mulheres em Fortaleza crescem 77 vezes
Após Lei Maria da Penha, medidas protetivas a mulheres em Fortaleza crescem 77 vezes
A Lei nº 11.340/06, batizada como Maria da Penha, completa 13 anos
neste dia 7 de agosto, com muito a se comemorar em termos de proteção da vítima
e punição do agressor, mas um infinito a se progredir nos dois âmbitos. Pelo
menos 5.282 mulheres precisaram recorrer a medidas protetivas, em Fortaleza, no
ano passado, para se resguardarem da violência, de acordo com dados do Tribunal
de Justiça do Ceará (TJCE). O dado é quase 78 vezes maior do que o registrado
em 2007, ano seguinte à assinatura da lei, quando a capital cearense
contabilizou 68 medidas judiciais.
De janeiro a junho deste ano, 3.814 medidas já foram concedidas no
Ceará, pelos dois Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher,
um em Fortaleza e outro em Juazeiro do Norte (que atende também aos municípios
de Crato e Barbalha).
Desde que a lei entrou em vigor, os números anuais seguiram em
ascensão até 2017, quando 6.454 medidas foram concedidas, mas voltou a cair
relativamente no ano passado, quando as mais de 5 mil medidas precisaram ser
aplicadas.
O dispositivo é fundamental para prevenir a violência extrema: o
feminicídio. Em 2018, 462 mulheres foram mortas no Ceará, e mais 85 só até
junho deste ano, conforme dados da Secretaria de Segurança Pública e Defesa
Social (SSPDS). Contudo, milhares de cearenses conseguiram pedir ajuda a tempo:
entre os meses de junho do ano passado e deste ano, 8.636 mulheres em situação
de violência doméstica buscaram assistência no Núcleo de Enfrentamento à
Violência contra a Mulher (Nudem) da Defensoria Pública do Estado.
Progressos
Para a dona de casa Lilair de Souza, 53, as violações morais,
físicas e psicológicas vieram antes de a lei existir: foram 20 anos sofrendo
agressões do ex-marido. "Fiquei com ele por 22 anos, nos dois primeiros
era tudo bem. Depois, começou a passar a noite fora, quando chegava eu tinha
que estar no pé da porta pra abrir. Me batia, chutava, chamava de velha e feia.
Ele chegou a me agredir com uma chave, levei dois pontos no queixo. Se fosse
uma arma, teria me matado", relembra.
Sem família em Fortaleza, já que nasceu no interior do estado, e
sob total dependência econômica do ex-companheiro, a dona de casa chegava a
ficar "trancada, sem nenhum centavo, sem poder sair". "Toda vida
que eu ia denunciar, tinha o maior apoio, mas desistia. Ele ficava me adulando,
ajoelhava nos meus pés, dizia que não ia fazer mais nenhum mal, eu acreditava e
retirava a queixa. Mas eu voltava pra casa e ele fazia tudo de novo. Fui umas
cinco vezes e voltei atrás, mas na quinta eu tava decidida a não querer
mais".
A violência só cessou em 2008, quando o companheiro morreu em um
acidente de trânsito, antes de ser punido pelos crimes contra ela. "Eu
venci, sou liberta. Não tem homem nenhum pra dizer que minha comida não presta,
revistar minha vida", diz Lilair de Souza, dona de casa
Informação
A diretora do Departamento de Proteção aos Grupos Vulneráveis
(DPGV) da Polícia Civil do Ceará, Rena Gomes, alerta que as mulheres precisam
ficar atentas e resistir a promessas de mudança por parte dos agressores.
Segundo Rena, os 13 anos de Maria da Penha, o aumento das medidas protetivas e
a lei do feminicídio têm contribuído para construir esse empoderamento, mas
ainda não foram suficientes para reverter o machismo.
"A violência psicológica é gradativa, vai chegar à física.
Precisamos conscientizar a mulher sobre o risco grave de não prosseguir com a
denúncia. Muitas vezes, ela está consciente sobre a violência quando denuncia
ameaças, injúrias, difamação e constrangimento. Nesses casos, a ação penal é
condicionada à vontade da vítima, e elas desistem por vergonha, dependência
afetiva, econômica, pelos filhos ou até por medo de prejudicar o
companheiro", lamenta.
O cenário se reflete, de acordo com Rena, no número "muito
superior" de Boletins de Ocorrência em relação ao de inquéritos policiais
instaurados. Os dados precisos, porém, não foram repassados ao G1 pela SSPDS.
"As vítimas estão mais conscientes e informadas. Aumentamos as
denúncias, mas ainda não conseguimos reduzir os números de violência. Não
desconstruímos ainda essa cultura de dominação, que ocorre principalmente
quando a mulher resolve romper o ciclo de agressões", avalia Rena.
Avanços
A defensora pública e supervisora do Nudem, Jeritza Braga, alerta
para a necessidade de expansão do apoio às cearenses do interior. "Em
Fortaleza, temos uma rede estruturada. Mas no interior, muitos municípios não
têm delegacias especializadas, sequer Defensoria Pública. Faltam juizados de
violência doméstica e centros de referência. É uma situação preocupante, porque
não têm como elas serem orientadas sobre o que é violência doméstica, o que
fazer, para onde ir", pontua.
A efetivação das medidas protetivas, que preveem isolamento de
contato entre vítima e agressor e cujo descumprimento foi criminalizado em
2018, é impactada pela carência. "A Lei Maria da Penha dedicou três
artigos para dispor sobre as medidas: o encaminhamento da mulher aos programas
oficiais de proteção e atendimento; a recondução à casa, se estava residindo
com o companheiro e precisou sair por causa da violência; e questões relação
aos bens", lista Jeritza.
Para Rena Gomes, é preciso melhor acompanhamento do instrumento.
"A medida é, sem dúvida, o instrumento de maior proteção à mulher. Mas é
importante que o cumprimento seja monitorado. Existe um aplicativo em que a
mulher se cadastra para que possa acionar a polícia de forma mais célere se o
agressor descumprir. É importante que ela jamais volte atrás”, frisa.
Onde oficializar a denúncia
Casa da Mulher Brasileira
Equipamento reúne órgãos de apoio, orientação e atendimento a
mulheres em situação de violência, incluindo a Delegacia de Defesa da Mulher.
Endereço: R. Tabuleiro do Norte, S/N – bairro Couto Fernandes.
Punição
3 anos de detenção
É a pena máxima para agressores enquadrados na Lei Maria da Penha.
A reclusão mínima é de três meses. A punição aumenta um terço caso a violência
seja praticada contra pessoa com deficiência.
Enquadrados
A possível aplicação da Lei Maria da Penha já virou expressão do
senso comum como reação a "bater em mulher". Mas a diretora do DPGV
da Polícia Civil, Rena Gomes, reforça que a norma contempla situações
específicas, "quando há algum relacionamento afetivo atual ou anterior
entre agressor e vítima, independentemente da duração".
Amparo
Quando há violência no âmbito familiar/domiciliar, a lei também
vale, mas o parentesco não importa: "uma empregada doméstica que mora na casa,
se agredida, deve recorrer à Lei". A norma protege somente mulheres, sejam
biológicas ou transexuais, seja o relacionamento hetero ou homoafetivo.
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