Legenda: À noite, moradores do sítio Chapada do
Maracujá, em Campos Sales, usam lamparina e lanternas para sair de casa
Foto: Divulgação
Sem geladeira nem televisão. A luz vem da lamparina e a
notícia do radinho de pilha. Tudo isso em pleno Ceará do ano 2021. A vida de
quem não tem acesso à energia elétrica ainda é realidade. No sítio Chapada do
Maracujá, em Campos Sales, cerca de dez famílias vivem na escuridão.
A comunidade fica a pouco mais de dois quilômetros da
sede do Município. Além disso, seus moradores vivem à sombra da imponente
estátua de Nossa Senhora da Penha, recém inaugurada. Iluminada, de longe, o
monumento de 26 metros é visto pelos campossalenses. A poucos passos dali, a
casa da agricultora Maria Lusanete dos Santos segue no escuro, refém dos
tradicionais e ainda úteis candeeiros e lamparinas.
Maria Lusanete conta que, no desejo de voltar a morar
na zona rural, comprou um terreno no sítio Chapada do Maracujá, em 2017. Ao
todo, investiu R$ 4 mil num pequeno pedaço de chão, onde poderia voltar a
cultivar suas plantas, frutas e legumes. A construção do Mirante de Nossa
Senhora da Penha, acelerou seu desejo de deixar a cidade e começou a construir
sua casa. Ora, o novo cartão-postal representaria o desenvolvimento daquela
comunidade e, claro, a chegada de infraestrutura para os moradores.
CEARENSES
PASSARAM, EM MÉDIA, QUASE 16 HORAS SEM ENERGIA NOS ÚLTIMOS 12 MESES
COMUNIDADE VIVE
SEM ÁGUA E ENERGIA ELÉTRICA
“Com a porta levantada, coberta, no jeito de entrar
para dentro. Só faltando o reboco”, comemorou a casa pronta. Se mudou para a
nova morada e vendeu sua casa no bairro Barragem, onde morou por 19 anos. O que era sonho — voltar a morar no campo —
se tornou pesadelo.
A agricultora e outras nove famílias de lá amargam, há
mais de um ano, a ausência de energia elétrica. “Eu sabia do problema, mas como
a estátua já tava pronta e é pertinho, achei que iria ser bom para nós”,
confessa Lusanete.
Sem energia, a rotina dos moradores é diferente.
Alguns, passam o dia na casa de familiares, no Centro da cidade, inclusive,
para garantir o ensino remoto de crianças, que têm que aprender por meio das
tecnologias. No caso de Lusanete, opta por ficar na casa da filha, onde espera
o seu celular fazer recarga. “É muito complicado”, admite.
Legenda: Maria Lusanete dos Santos deixou na casa da
filha, no Centro, seus aparelhos eletrodomésticos, como geladeira, televisão,
liquidificador. Em casa, ela faz uso da lamparina
Foto: Divulgação
COM LAMPARINA, RADINHO DE PILHA E GARRAFA TÉRMICA
Seus aparelhos eletrodomésticos, como geladeira,
televisão, liquidificador, também foram deixados lá. “Sem água gelada eu já me
acostumei. Coloca nos potes e numa garrafa térmica”, detalha. Ainda se ressente
de assistir seus programas e telejornais preferidos, não larga o inseparável
rádio para se manter informada. É seu entretenimento. “O radinho de pilha dura
é muito”, comemora.
Sem luz artificial, utiliza da velha lamparina. “Eu já
até me acostumei. Como nasci e me criei na roça, é mais fácil”, confessa. A
situação é similar ao seu vizinho, o agricultor Cícero Pereira de Alencar, que
convive com a falta de energia elétrica há quase dois anos. “Também acendo uma
lamparina, faço um fogo a noite. Quando quero carregar o celular, vou para a
santa. Não dá pra ter uma geladeira”, desabafa. Ele mora com mais três
pessoas.
O pedreiro Rivaldo Queiroz de Olivera, por exemplo, se
viu obrigado a morar na sede de Campos Sales, pagando aluguel. “Água não, a
gente dá um jeito, faz uma cisterna. Mas a luz fica difícil”, explica. O padrão
de energia já foi instalado em frente a sua casa, mas não passou disso,
acrescenta o pedreiro.
O pedido de instalação de energia elétrica, conta
Rivaldo, foi feito junto à companhia há mais de um ano. Na época, segundo ele,
chegou a pagar uma taxa solicitada para a emissão de uma licença ambiental, já
que para o fornecimento de energia elétrica demandaria a construção de postes. O
valor pago foi de R$ 350. Ele não recorda a quem pagou e não encontra mais o
comprovante. “Em três meses falaram que colocaria os postes”, lembra.
Na casa do pedreiro Rivaldo Queiroz de Oliveira o
padrão de energia já foi instalado na sua casa, mas não passou disso
Legenda: Na casa do pedreiro Rivaldo Queiroz de
Oliveira o padrão de energia já foi instalado na sua casa, mas a energia
elétrica ainda é uma esperança
Foto: divulgação
ACESSO À ENERGIA
ELÉTRICA: UM DIREITO SOCIAL.
A universalização dos serviços públicos de energia
elétrica foi estabelecida em 26 de abril de 2002, pela Lei nº 10.438. Com isso,
garantiu o serviço sem ônus de qualquer espécie para o solicitante. Além disso,
desde 2017, tramita no Senado Federal uma Proposta de Emenda à Constituição, de
nº 44, que torna o acesso à energia elétrica um direito social.
Ciente disso, a solicitação para instalação da energia
elétrica feita por Lusanete aconteceu no dia 26 de agosto do ano passado, antes
mesmo de terminar sua casa. Seu cadastro foi feito na loja física da própria
Enel Distribuição Ceará, em Campos Sales. As outras famílias também fizeram o
mesmo.
"A gente ainda sobrevive sem água, na seca,
comprando. Durante a chuva, ainda encheu vasilhames. Agora energia faz muita
falta. Não pude fazer o reboco para colocar o piso, porque depende de energia e
não tem”, acrescenta ainda Lusanete.
Em nota, a Enel Distribuição Ceará informou que a
solicitação de obras feita por Rivaldo foi cancelada após expirar o prazo de 90
dias para apresentação de licença ambiental emitida pelo Ibama. Sobre pagamento
de valores feito por ele, a distribuidora esclareceu que não cobra nenhuma
quantia referente a obras de extensão de rede. “A empresa reforça ainda que o
cliente deve solicitar nova ordem e apresentar a documentação necessária para
programar e executar a obra”, explicou.
Sobre as demais solicitações, a distribuidora
esclareceu que vai encaminhar uma nova equipe ao local para identificar as
residências e fazer inspeção o quanto antes. Neste caso, a inspeção ao fazer a
visita, identifica o que é necessário para fazer a instalação, seja a
construção de postes e/ou a emissão da própria licença ambiental, dependendo da
área.
Este trabalho
também faz estudo do local, orçamento e verifica a distância entre as casas. A
partir daí, pode seguir com a documentação. Nada disso é cobrado aos moradores.
De acordo com Lusanete, técnicos da distribuidora já visitaram a comunidade
nesta quinta-feira (13).
O chefe do Núcleo de Gestão Integrada do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) no Araripe, Carlos
Augusto Pinheiro, explica que, nas áreas rurais, o órgão emite autorização para
ligação de energia elétrica, mas nenhum destes pedidos foi identificado no
sistema do órgão, inclusive o de Rivaldo. Porém, adverte: “Não fazemos cobrança
alguma”, reforçou.
“Nós recebemos individualmente a solicitação. Se for um
processo em conjunto, o Município solicita a licença. Este valor pode ser
emitido pelo Município que pode ter algum regramento. No entanto, a gente nem
cobra, nem exige que a pessoa tenha que procurar diretamente o município.
Alguns têm feito diretamente conosco”, completa.
Nossa equipe de reportagem procurou a Prefeitura de
Campos Sales para questionar a origem desta cobrança, mas não tivemos retorno
até a publicação desta matéria.
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