Apesar do êxito do Bolsa Família no alívio da condição de pobreza,
discute-se há tempos, inclusive neste espaço, duas frentes de mudanças que
levariam a claros progressos. Primeiro, a ampliação do valor da transferência
para garantir padrão de sobrevivência às famílias pobres. E segundo, o fomento
a mobilidade social através de serviços que são oferecidos pelo programa.
Ambas as frentes atuam para melhorar a condição de saúde e o
aprendizado dos beneficiários, assegurar melhores oportunidades no mercado de
trabalho, e diminuir a dependência no programa entre as gerações.
Em linhas gerais, o novo Auxílio Brasil se assemelha ao seu
antecessor em muitos aspectos. Continua, por exemplo, utilizando critérios de
renda para determinar quais famílias serão beneficiadas, assim como características
da família no cálculo das transferências. Mas busca ir além.
O orçamento dedicado ao novo programa ainda não está definido, mas
o governo trabalha com um valor anual de R$50 bilhões (R$20 bilhões a mais que
o orçamento do Bolsa Família), e com um aumento de 50% da transferência média
efetiva, de R$200 para R$300.
Há, evidentemente, incerteza sobre os novos valores, e o risco
fiscal associado à sua ampliação é relevante.
Não há espaço no teto de gastos para acomodar uma expansão do
programa e precedentes sobre a flexibilização do teto como o que abre espaço
para Auxílio Brasil através do parcelamento dos precatórios– geram enormes
custos à estabilidade macroeconômica, além de dúvidas quanto à solvência do
governo.
A solução óbvia deixou de ser considerada por questões políticas:
revisões de gastos sociais e isenções fiscais pouco eficazes, como o abono
salarial e desonerações tributárias seletivas, são impopulares em ano que
antecede eleições.
Na segunda frente–superação da pobreza e mobilidade social as
mudanças propostas apontam em direção promissora, ainda que as regras de
implementação não tenham sido detalhadas.
Com relação às crianças, o Auxílio Brasil abre a possibilidade para
pagamento de valores diferenciados às idades de 0 a 3, onde os retornos às
transferências são maiores, mas poderia ter considerado a primeira infância de
forma mais ampla, até 6 anos.
Já o auxílio criança cidadã, que prevê um voucher para uso em
creches privadas –quando inexiste creche pública- é um enorme progresso na direção
de uma maior equidade de gênero. As mulheres continuam sendo majoritariamente
responsáveis pelos cuidados dos filhos na sociedade brasileira, razão pela qual
muitas não podem trabalhar quando uma creche pública não lhe disponibiliza
vaga.
Pode até ser que a política de voucher traga consigo outras
considerações a experiência com o Fies nos lembra que a expansão de serviços
precisa vir acompanhada de algum critério de qualidade, mas o fato é que a
expansão das creches planejadas pelo Plano Nacional de Educação não aconteceu,
e a oferta de vagas para crianças de 0-3 continua sendo um dos maiores gargalos
do nosso sistema educacional. Hoje apenas 37% das crianças de 0-3 estão
matriculadas, atingindo 51% entre os mais ricos e 29% entre os mais pobres.
Já a expansão de benefícios até 21 anos para o jovem adulto que
está matriculado no ensino básico promete pouquíssimo sucesso. Em estudo em
parceria com Pinho Neto e Szerman, encontramos que um ano adicional de
recebimento de benefícios aos 18 anos não estimula a permanência na escola. A
esta idade, o custo de oportunidade está no salário que se recebe ao trabalhar,
inevitavelmente maior que qualquer transferência que o Auxílio Brasil venha a
fazer.
Por fim, fica clara a tentativa de criar incentivos à formalização
do emprego e aumentar a visibilidade das rendas que são recebidas, evidente no
auxílio inclusão produtiva, que transfere mais para aqueles que estão
trabalhando. Incentivos ao trabalho são sempre bem-vindos, mas para as pessoas
em situação de pobreza, as oportunidades de emprego continuam limitadas, e faz
pouco sentido pensar em inclusão produtiva sem nenhum programa de qualificação
ou treinamento direcionado a estas pessoas.
O Auxílio Brasil ataca algumas das questões chaves para o
aprimoramento do já existente Bolsa Família, mas deixa enorme margem para que o
desenho e implementação do programa não o permitam avançar. No pior cenário,
muda-se o nome do atual programa, mas recolhe-se o seu dividendo eleitoral.
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