Estudo encontrou semelhanças com variantes presentes em saguis. Pesquisadores alertam para dinâmica da circulação do vírus que pode levar pessoas à morte.
Por g1 CE
Morcegos analisados no Ceará apresentaram grupo de
variantes do vírus da raiva semelhante ao encontrado em saguis. — Foto: Pedro
Santana/TG
Morcegos analisados no Ceará apresentaram grupo de
variantes do vírus da raiva semelhante ao encontrado em saguis. — Foto: Pedro
Santana/TG
Pela primeira vez, foi encontrado em morcegos um grupo de
variantes do vírus da raiva humana bastante semelhante ao das variantes
detectadas em saguis do Nordeste brasileiro. O estudo foi conduzido com
espécies de morcegos encontrados no Ceará. Em maio deste ano, o estado
registrou morte por raiva humana após sete anos sem óbitos pela doença.
A análise de 144 amostras de tecidos retirados do cérebro
de 15 espécies de morcegos foi realizada no Laboratório Central de Saúde
Pública do Ceará (Lacen).
Como resultado, a semelhança com as variantes encontradas
em saguis acende o alerta para a dinâmica complexa de espalhamento e transmissão
do vírus entre os hospedeiros.
O vírus da raiva foi encontrado nos morcegos de espécies
que se alimentam de frutos (frugívoros) e insetos (insetívoros). Isso também
chamou a atenção dos pesquisadores, pois os morcegos mais conhecidos como
transmissores da raiva são os que se alimentam de sangue (hematófagos).
Coordenado pela Escola Paulista de Medicina da
Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), o estudo foi publicado no
Journal of Medical Virology. As informações são da Agência FAPESP.
Com o resultado, os pesquisadores chamam atenção para uma
fonte negligenciada de infecção pelo vírus da raiva humana, doença mortal que
já fez 15 vítimas no Ceará nos últimos 30 anos.
🦇
Como foi feito o estudo
As amostras de tecidos do cérebro dos morcegos chegaram
ao Lacen do Ceará entre janeiro e julho de 2022. Pelo programa nacional de
vigilância epidemiológica, profissionais de saúde analisam mamíferos
encontrados mortos ou com sintomas de infecção pelo vírus da raiva.
A partir das amostras, os pesquisadores extraíram o RNA
dos vírus encontrados. Foi feito o sequenciamento genético para comparação com
outras sequências de vírus da raiva depositadas em bancos de dados públicos.
🔍 O
que foi encontrado
O primeiro conjunto de sequências genéticas era
compatível com variantes do vírus da raiva encontradas em outras espécies de
morcegos: os insetívoros Tadarida brasiliensis e Nyctinomops laticaudatus. O
vírus havia sido detectado nestas duas espécies em 2010, na região Sudeste.
Um segundo conjunto trouxe um grupo de variantes do vírus
encontrados pela primeira vez em morcegos: em duas espécies insetívoras e uma
frugívora.
Na análise, foi possível perceber uma relação evolutiva
desse grupo de variantes muito próxima dos vírus que circulam nos
saguis-de-tufo-branco, comuns no Nordeste.
Os saguis e a raiva humana
As agressões de saguis podem levar à infecção pela raiva
humana. — Foto: Divulgação
As agressões de saguis podem levar à infecção pela raiva
humana. — Foto: Divulgação
Muito comuns nas áreas urbanas e selvagens, os saguis são
muitas vezes mantidos em ambientes domésticos como animais de estimação. No
entanto, a proximidade com esses animais pode representar um risco para os
humanos.
Assim como os morcegos, os saguis são alguns dos animais
que podem levar à infecção da raiva humana (ver abaixo). O vírus tende a migrar
para o sistema nervoso central, podendo levar a um quadro de encefalite aguda
nos humanos. Aproximadamente 100% dos casos levam à morte.
Até agosto desse ano, sete saguis foram encontrados com o
vírus da raiva humana no Ceará, explicou à Agência FAPESP a pesquisadora
Larissa Leão Ferrer de Sousa, servidora do Lacen e doutoranda da EPM-Unifesp.
Ainda segundo a pesquisadora, o Ceará é um estado
endêmico para a raiva humana, apresentando também um histórico de humanos que
são agredidos por saguis e contraem a doença.
Foi o caso do agricultor de 36 anos que morreu em maio
deste ano na cidade de Cariús. Segundo informações da Secretaria da Saúde
(Sesa), ele havia sido agredido por sagui em fevereiro. Porém, a vítima só
procurou atendimento no fim do mês de abril, após o início dos sintomas da
doença.
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Como se proteger e o que fazer
Vacinação de animais domésticos é uma das medidas para
prevenção da raiva humana — Foto: Prefeitura de Votuporanga/Divulgação
Vacinação de animais domésticos é uma das medidas para
prevenção da raiva humana — Foto: Prefeitura de Votuporanga/Divulgação
Ao sofrer a agressão de um dos animais que podem
transmitir raiva, a pessoa deve lavar o local da ferida com água e sabão e se
encaminhar a uma unidade básica de saúde mais próxima, conforme orientações da
Sesa.
A avaliação da profilaxia pós-exposição vai depender do
tipo de lesão e da espécie de animal que causou o ferimento.
Animais que transmitem o vírus rábico:
Cachorros
Gatos
Bois
Cavalos
Jumentos
Bodes
Carneiros
Porcos
Animais silvestres (como saguis)
Morcegos
Dentre as principais orientações, estão a vacinação de
cães e gatos e o cuidado para não se aproximar de mamíferos desconhecidos.
Os principais sintomas da infecção em humanos são:
dificuldade de engolir, desconforto na visão em relação à claridade
(fotofobia), tremores involuntários e salivação excessiva.
O tratamento da profilaxia pós-exposição acontece com
vacinação e soro antirrábico. O tempo de incubação do vírus tem uma média de 45
dias. Sem esse tratamento, o resultado geralmente é a morte, conforme alerta o
coordenador do estudo, Ricardo Durães-Carvalho, à Agência FAPESP.
Cenário no Ceará
Desde 1991, foram 15 mortes por raiva humana registradas
no Ceará. O primeiro caso havia sido a primeira morte associada ao contato com
um sagui.
De 2007 a 2016, houve cinco óbitos por raiva humana no
Estado:
Camocim: contato com sagui em 2008
Chaval: contato com cão em 2010
Ipu: contato com sagui em 2010
Jati: contato com sagui em 2012
Iracema: contato com morcego em 2016
Com a vacinação dos animais domésticos, a principal fonte
de raiva humana tem sido os animais silvestres. Com a expansão das cidades e da
agropecuária, o espaço destes animais é reduzido.
Apesar dos riscos, a pesquisadora Larissa Leão ressalta
que a melhor postura é respeitar os animais transmissores da doença e mantê-los
na natureza.
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